Queer at The Movies: Um Panorama da Trajetória Queer no Cinema

Parte III: O Auge da Era Hays

poster publicitário de Glen or Glenda

Não foi apenas o gênero noir que relegou os homossexuais aos papéis de vilões ou indivíduos psicologicamente desequilibrados. Êxito Fugaz (Young Man With a Horn), de Michael Curtiz, 1950, é a cinebiografia de Bix Beiderbecke, o primeiro branco a se firmar como um dos grandes nomes do jazz. Lauren Bacall interpreta sua esposa, uma mulher que, atormentada pela própria sexualidade, faz da vida do marido um inferno e inveja a mulher por quem ele mais tarde se apaixona (Doris Day) por um simples motivo: sua bem resolvida heterossexualidade. Em determinada cena do filme, o personagem vivido por Kirk Douglas, ao romper seu relacionamento com Bacall, aconselha: “Você é uma garota doente, Amy. Deveria procurar um médico.”

Em 1953, Ed Wood, considerado o pior diretor de cinema de todos os tempos, lançou seu primeiro trabalho, Glen or Glenda¿ (Glen or Glenda/I Changed My Sex), uma produção que ficava entre o melodrama e o documentário, sobre travestismo e transexualidade. O próprio Ed Wood interpretava um homem heterossexual que, por gostar de vestir-se com as roupas da irmã, criava uma série de conflitos. Wood era um diretor que abordava temas como alienígenas, vampiros e monstros; aqui não é diferente:o tratamento dado à história, inspirada pelo caso da transgênero Christine Jorgensen, cuja cirurgia de mudança de sexo ocorrera no ano anterior, se estabelece entre o cômico e o bizarro e se utiliza do tema dos transgêneros como um pretexto para explicitar o interesse de Wood por personagens estranhos, por via de choque, em plena era do american way of life.

Lauren Bacall como a atormentada Amy, de Êxito Fugaz

Doris Day é Jane Calamidade em Ardida Como Pimenta

Chá e Simpatia

No mesmo ano, a Warner lança o misto de musical e western Ardida Como Pimenta (Calamity Jane), dirigido por David Butler e com Doris Day no papel da pistoleira com claras tendências lésbicas, Jane Calamidade.

Em 1956, a questão homossexual ganha abordagem mais ampla, porém, ainda pouco aprofundada, com o filme Chá e Simpatia (Tea and Sympathy), de Vincente Minnelli , com John Kerr no papel de um jovem que, devido ao seu comportamento efeminado, é alvo da hostilização dos colegas e da desaprovação do pai. Deborah Kerr interpreta a mulher que se encarregará de uma “reeducação” sexual do jovem, a fim de adaptá-lo à norma. Apesar de ter sido o primeiro filme hollywoodiano a ter um protagonista homossexual, Chá e Simpatia se abstém de explicitar a questão da sexualidade enquanto discurso analítico, e se mantém num tratamento entre uma compreensão gentil de algo visto como um problema psicológico e a necessidade de corrigi-lo.

Quanto Mais Quente Melhor

Joe E. Brown e Jack Lemmon: um casal inusitado em Quanto Mais Quente Melhor

Censura institucionalizada: o Código Hays

Em 1959, Billy Wilder lança Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot), uma comédia sobre dois homens que precisam se disfarçar de mulher para fugir de gângsters. O final do filme, com um dos protagonistas revelando para o suposto noivo que na verdade é um homem, trouxe um dos diálogos mais famosos da história do cinema. Diante da revelação do personagem de Jack Lemmon: Eu sou um homem!, um impassível Joe E. Brown responde: Bem, ninguém é perfeito! Assim, Wilder encerra de forma brilhante seu já-nascido clássico, ousando inserir no roteiro do filme um diálogo que, revestido por um contexto humorístico, escapou à censura rígida da época. Se a receptividade alienada por parte do público -que somente aceitava conteúdos politicamente incorretos ao consumir um filme do gênero comédia, inseridos em situações rocambolescas e improváveis- permitia a diretores como Wilder driblarem as restrições impostas pela censura em prol de uma liberdade em suas criações artísticas, quando se tratava de trazer esses conteúdos para a esfera da seriedade, em produções dramáticas, a força da repressão se projetava de forma mais incisiva, obrigando a classe cinematográfica a optar pela camuflagem.

Tal postura por parte dos roteiristas, diretores e produtores de cinema em abordar o tema gay sempre de forma sutil , não-declarada, não era fruto apenas de um impedimento imposto diretamente pelo conservadorismo do público. Instituído em meados da década de 30 pela MPPDA (Motion Pictures Producers and Diostributors of America), o chamado Código Hays surgia para colocar rédeas curtas em toda a produção cinematográfica de Hollywood, que, durante a década de 20, ficara conhecida pela alcunha de “cidade do pecado”.  A fim de combater qualquer manifestação considerada imoral pelo conservadorismo republicano, o Código Hays se constituía de uma lista de proibições conhecida como Dont’s and Be Carefuls, e dela constavam uma série extensa de restrições concernentes à exibição de nudez, abordagem da sexualidade, referências pejorativas em relação à Igreja Católica, destaque para a criminalidade e os vícios, cenas de amor entre negros e brancos, etc. O Código Hays regeu sob os preceitos da moral cristã e dos bons costumes toda a produção norte-americana, de 1933 até o começo dos anos 60, não resistindo aos crescentes movimentos políticos e de liberação sexual, sendo definitivamente extinguido em 1968 e dando lugar à tabela de classificação de filmes por faixa etária.

Léo Tavares

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