Mitos Gregos..

Em O Banquete, Platão discorre sobre o amor e apresenta um mito sobre a origem da humanidade: no começo haveria os Andróginos, seres proto-humanos cuja aparência seria semelhante à de duas pessoas unidas pelas costas. Platão através da fala de sua personagem Aristófanes retrata três tipos de seres Andróginos: os que duplicam o sexo masculino, os que duplicam o feminino e os que unem o sexo masculino e o feminino, numa fisionomia hermafrodita. Os seres Andróginos, seres superiores aos humanos desafiam os deuses e são condenados por estes: cortados ao meio e separados cada qual procura a sua outra metade, seu verdadeiro amor:

“Vê-se bem a função etiológica do mito: relatar o sofrimento dos amantes separados quer sejam homossexuais ou heterossexuais.” (MIGUET, 1997, p.75.)

A representação do andrógino platônico beira a monstruosidade pela sua fusão singular: os amantes como siameses unidos pelas costas nunca foram de fato capazes de reconhecer suas faces apesar do sentimento visceral de plenitude apenas possível pela fusão com o corpo do outro; assim quando separados este sentimento se torna o único meio de reconhecimento mútuo.

O amor entre as duas caras metades que beiraria a perfeição divina fora condenado a beirar o impossível. Platão apresenta, no entanto, o andrógino este ser primordial e bissexuado como completo em corpo, mente e espírito, alçando a androginia à perfeição da existência da carne e à concretização de um amor ideal e filosófico.

Um termo que apresenta relação simbólica análoga ao andrógino, ou seja, ao aspecto da fusão de gêneros opostos é o Hermafrodito, Ἑρμάφρόδιτός. Deus grego, filho de Afrodite e de Hermes que representa a fusão dos dois sexos e não tem gênero definido. Teria nascido um menino extremamente bonito que se transformou num ser andrógino por haver se unido à ninfa Sálmacis. Foi a partir deste mito ocidental que se batizaram os conceitos de hermafrodita e hermafroditismo anatômico: pessoas detentoras de ambas genitálias. O nome Hermafrodito deriva da união dos nomes Hermes, deus da eloqüência, do comércio, dos viajantes e dos ladrões: personificação da inteligência, e Afrodite, deusa do amor e da beleza.

“Foi levado pelas ninfas até o Monte Ida, uma montanha sagrada da Frígia. Quando atingiu quinze anos, sentindo-se enfadado do lugar, viajou para as cidades da Lícia e de Cária. Estava nos bosques da Cária, perto de Halicarnásso, quando encontrou Sálmacis, uma náiade, em sua morada numa lagoa.

Tomada de luxúria ante a beleza do jovem, ela tentou seduzi-lo, mas foi rejeitada. Quando pensou que ela havia ido embora, Hermafrodito despiu-se e entrou nas águas vazias do lago. Sálmacis então saiu de trás duma árvore e mergulhou, enlaçando o moço e beijando-o violentamente, tocando em seu peito.

Enquanto ele lutava por desvencilhar-se, ela invocou aos deuses para nunca mais separá-los. Seu desejo foi concedido, e seus corpos se misturaram numa forma intersexual. Hermafrodito, aflito e envergonhado, fez então seu próprio voto, amaldiçoando o lago de forma que todo aquele que ali se banhasse seria igualmente transmutado, como ele próprio.” (Graves, 1990, p. 83)

O mito de Hermafrodito, ao contrário d’O Banquete, não apresenta a concretização do amor ideal, mas a de um desejo violentador, e de uma união carnal indesejada e forçada pelos deuses. O jovem rapaz vítima da ninfa rejeitada faz do estado de Hermafrodito uma maldição, a repulsa daquela que viria a ser sua segunda parte se somatiza no desgosto e desprazer do próprio corpo; Sálmacis, por sua vez considera esta união uma benção ao seu desejo, e leva para seu estado físico de hermafrodito a satisfação de ter se tornado e possuir carnalmente mesmo que de maneira estranha aquele que mais admira. O Hermafrodito se mostra como a união contraditória entre rejeição e desejo, horror e prazer enclausurados num único corpo.

Os dois mitos retratam a dualidade: primeiramente de um corpo composto por dois seres em seguida separados por forças maiores, depois de dois corpos distintos unidos a contra gosto por forças semelhantes. Corpos ambíguos que transitam entre os dois sexos e todas as emoções ligadas a estes, o hermafrodito leva dentro de si o sublime da beleza andrógina e de uma humanidade total: o ser que não se define nem como homem nem como mulher passa simplesmente a ser Humano, anulando o sexismo que privilegia um único gênero pela presença de ambas genitálias. Os contrastes desse corpo balançam entre o apolíneo e o dionisíaco: aquilo que deveria ser classicamente belo, sereno e distante se aproxima selvagem ao revelar sem poudores um sexo surpreendente, curioso, às vezes repugnante e ocasionalmente atraente. A complexa idéia do andrógino confronta o divino e o profano, condensando num único corpo a referência à plenitude primordial quase divina, e a revolta do corpo indesejado unida à rebelde tensão carnal que conduz o corpo do amante a tornar-se parte de seu objeto de desejo.

-por Daiara Figueroa

Esse post foi publicado em Uncategorized. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário